sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Essa coisa de meninas no mercado de games...

Você pode não acreditar, mas elas existem e muitas delas jogam melhor que muito menino por aí

Meninas, acreditem: a função de vocês no mundo gamer é muito maior que aparecer de biquíni
Por ser uma mulher assumidamente gamer e fazer disto meu trabalho, muita gente me pergunta: “E aí, por que não tem mais garotas que jogam videogame?” Sinceramente, esta resposta não é exatamente binária, ou seja, não há uma réplica pronta, que delibere de forma rápida todos os problemas da vida, do universo, e de tudo mais.   Também ainda não inventaram uma forma de compreender o cérebro feminino. Se existisse, você atinaria todas as frases corretas naqueles dias mais sensíveis e, ao mesmo tempo, conviver com uma dama não teria a menor graça.
De qualquer maneira, há sempre um método completamente novo de resolver as possíveis demandas, como qualquer bom jogo de nova geração pode atestar – para cada missão, diferenciadas formas de explorá-la. Assim, que tal sondar todos os cantos mais obscuros da tela? A primeira coisa que você deve saber é que: 
Há mulheres que jogam
Se você não conhece uma mulher que pode chutar a sua bunda no “Street Fighter” ou no “Left for Dead”, é só procurar um pouco mais. Em MMOs existe um grande número de avatares femininos que são controlados por caras barbudos, mas também é possível encontrar meninas de verdade.
Muitas delas preferem até não contar a verdade sobre seu gênero por dois motivos: para não sofrerem preconceito, ou para não serem taxadas de “coitadinhas” ao estilo: “Ah, é uma garota, melhor eu dar algum dinheiro pra ela, ela nunca vai conseguir se virar sozinha”.
Eu mesma jogo um MMO. Mas, sim, tenho muitas amigas que nem consideram a possibilidade de se divertir com um game. Infelizmente, o mercado ainda não é igualitário como um todo, já que as garotas que se enfiam no mundo dos games geralmente o fazem com títulos mais casuais: o “Farmville”, os jogos de Iphone, o “Wii Fit”, e outros nesta mesma norma.
Porém, perceba o lado bom do tema: ao menos, elas estão lá. No campo dos casuais, não somente as mulheres se fazem presentes, como representam mais de 70% do mercado. Verdade verdadeira. Palavra de escoteiro. Mais interessante do que isto é que o dado ainda comprova que a demografia correta é de mulheres na faixa dos 30 anos.  
 E, isto sim, pode parecer uma surpresa. Porém, pense por outro lado, coloque-se nos sapatos (ou nas saias) delas e tente interpretar que jogar videogame sempre foi coisa de meninos, é como se existisse um...

Clube do Bolinha
Vai, pode assumir: você não queria meninas dividindo o controle do seu Mega Drive ou do seu Nintendinho. Claro, agora você adoraria que sua namorada pudesse jogar com você, mas na infância (sua e dos consoles) elas eram proibidas de entrar no quarto.
Para alguns espécimes do mundo masculino também há a questão do medo: será que se as meninas entrarem no mercado só terão lançamentos da “Hello Kitty” – gostaria de informar que os mais machões vão gostar do MMO desta fofura, só a título de curiosidade mesmo –; e ainda mais: será que elas vão acabar com a minha raça no “Call of Duty”? Bem, algumas sim, com certeza.
Veja, jogos digitais ainda são uma forma de entretenimento muito nova, e poucas mulheres trabalham dentro da indústria. Isto não é um equívoco ou uma caça às bruxas, que era algo natural no passado, e que deve mudar aos poucos – como já acontece. Assim que algumas damas mais empreendedoras assumam seu lugar no mercado, mais games surgiram em que as mulheres possam se identificar de cara.   Perceba que já há uma mudança até em personagens clássicos: Samus Aran, de Metroid será agraciada com um game que deve explorar seus pensamentos, sua trajetória e suas opiniões. Claro, há personagens femininas interessantíssimas faz anos, mas vale lembrar que mesmo a Samus já tirou a roupa em jogos.

Será que o problema é o cenário? Cadê os meninos de peito de fora?
Explosões, armas, ficção científica, peitos de fora? Não creio que seja simples assim. Sim, explosões estão mais associadas a games e filmes “de meninos”, mas conheço muitas moças que adoram esse tipo de película. Isto é, por mais que aja algum tipo de associação com um universo mais varão, ela não deveria retirar completamente as meninas da cena.
Certamente que o abuso do corpo feminino não atrai a parcela feminina da população. Cresci rodeada de quadrinhos com super-heroínas perfeitas, filmes com tipos de corpos invejáveis, mas nunca me senti agredida. Talvez seja porque, neste tipo de produto cultural, a questão do corpo perfeito não é encerrada somente nas mulheres, ela é espalhada por todo tipo de personagem, inclusive os masculinos.
Até mesmo “True Blood” – com sua trama cheia de sexo e violência – tem um apelo sensual muito pujante para mulheres: todos os atores são tão bem esculturados quanto às personagens femininas que os acompanham. Quer dizer, há uma paridade: não vejo nenhum problema em feiras de games serem lotadas de meninas com pouca roupa, mas cadê os meninos?   Se uma caixinha de game traz uma protagonista em roupas tão apertadas que elas teriam que ser costuradas ao seu corpo, onde estão os personagens masculinos de peito de fora?

Ah, o marketing
 Há um aprofundamento ainda mais pertinente. A Lara Croft, por exemplo, foi criada para ser uma mulher independente, madura, inteligente, forte, que também é bonita. Não é isso que você vê nas primeiras imagens lançadas do game, na modelo da vez escolhida para ser eternizada em fotos.
 O que se divulga, na verdade, são imagens da personagem de toalha. Vamos deixar claro: se tudo que você mostra de um produto é seu atrativo sexual, é tudo que as pessoas verão. Isto é, eu SEI que a Lara é muito mais do que isto, mas uma menina que nunca jogou não tem como saber, pois a parcela mais interessante da nossa Indiana Jones não é importante para o marketing.
 Você pode achar que isto é muito radical. E eu lhe respondo: se fosse, a Eidos (empresa responsável pelos jogos da moçoila) não estaria tão preocupada em criar uma imagem mais realista e menos fantasiosa (leia-se: menos busto) para Lara.
Com certeza que as mulheres também querem jogar como personagens charmosas e gatonas. Porém, quando tudo que se mostra no marketing é o corpo, as meninas tendem a pensar: “Bem, acho que este game não é pra mim”, antes mesmo de testar. Eu não acho que a culpa seja delas. 
Não é possível generalizar. Nem todos os meninos não queriam meninas na brincadeira quando eram pequenos. Nem todas as personagens femininas são vendidas como gostosas (e hoje em dia, isso diminui).
  Certo? Então nada de pensar: “nossa, veja esta jornalista louca, que não quer que as personagens sejam bonitas, acha que elas são só um corpo bem desenhado e ainda tá dizendo que a culpa é minha”. A culpa não é de ninguém. O mercado de games nasceu mais masculinizado, e aproveitou disto para vender mais. Fato.
Se você quer mostrar o mundo dos games a uma garota seja generoso: mostre games que contenham assuntos que ela se interesse, comece pelo básico, não tire um versus logo de cara (que tal um cooperativo?). E não reclame se no final ela ficar mais habilidosa do que você.

Reportagem perfeita, eu não poderia dizer melhor, e com isso vai se extinguindo o preconceito idiota que as pessoas tem de garotas que jogam video games.
 Escrito pela: Flávia Gasi

Quem é ela: é jornalista especializada em games, blogueira, conselheira editoral e mestranda. Nerd assumida e gosta de tudo que diz respeito à cultura pop. Leia mais textos da Flávia no Gameblog, da MTV.

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